Às vezes, tem-se a grata surpresa de saber que alguma coisa que se disse ou algum ato praticado ajudou alguém sem mesmo conhecê-lo. Gastei trêssemanas atrás de peças para fazer reparo no meu veículo. Bati em várias autopeças em busca de quatro faróis de milha. Os balconistas foram unânimesem afirmar que aquelas peças não existiam mais. Na Avenida Jorge de Tibiriçá, Vila Marieta, minha busca chegara ao fim. Batata, o atendente, chamoume pelo nome, perguntando afinal o que tanto eu procurava. Mais uma vez expliquei a minha necessidade. Pedi ume um tempo, enfiou-se entre osbiombos e as prateleiras. Após alguns minutos, voltou com os faróis.
O que esse fato tem a ver com o tema fraternidade e saúde? Trata-se de uma situação em que o sentido não está aparentemente relacionado, mas simo desfecho. Aquela figura amável abriu um sorriso e me entregou as caixas contendo os faróis. Feliz, dirigi-me para pagar. Batata informou à caixa quenão era para cobrar e que eu estava autorizado a levar as peças. A justificativa pela não cobrança saiu quase como um apelo: “Meus pais fazem uso demedicamentos do postinho.
Antes de sair de casa assisti à denúncia que você fez da falta de remédio. Assistimos juntos, meus pais e eu, e isso criou neles a expectativa de que omais breve possível haverá os remédios de que tanto necessitam”, arrematou, dizendo que os remédios de que seus pais precisam custavam bem maisdo que os faróis. Desconcertado, ouvi ainda outras pessoas comentarem que a falta dos remédios na rede consistia num crime. Enfim, o drama dos paisdo Batata era deles também.
Não sei por que, mas veio-me à mente o dueto que Marcelo D2 fez com Arlindo Cruz, quando declamaram o bem humorado ditado popular “Se o que táerrado e dá pra consertar, o que não tem remédio, remediado está”. É completamente diferente a minha busca pelas peças da peregrinação que osusuários da saúde pública fazem para obter o remédio de que tanto precisam. Não há uma analogia entre os dois casos, exceto as respostas que maisouvi. Quantas e quantas vezes os usuários obtêm como respostas em busca de remédio: “Não, não temos”; “Está em falta”, ou ainda, “Não se produzmais, está fora de linha”.
As peças que buscava não têm relação com os medicamentos. Comparação é descabida. Entretanto, é doloroso ver as grandes dificuldades de quemprecisa de um remédio e não o encontra na rede na hora que mais precisa. Esperar as providências oficiais principalmente quando se trata de remédios,pode custar vidas. Não há sofrimento mais confrangente do que o da privação de remediar a dor.
Nos últimos doze meses, tem sido assim a sina de quem precisa de medicamento e, de posse da receita, bate à porta das unidades básicas. Parece queesse drama pode se agravar. São mais de 39 medicamentos faltosos na rede de Campinas. A autoridade pública contesta os números.Diz que sãoapenas 24. Serem 24 ao invés de 39 os remédios faltosos é algo que não diminui o drama de quem precisa. É oportuno que o tema da Campanha daFraternidade seja a saúde na sua dimensão solidária, comunitária e política.
A crise na saúde pública nos convida à reflexão e, dos governantes, exige mais ação: no tocante aos investimentos, há necessidade de mais recursos dogoverno federal, estadual e municipal, acompanhados de fiscalização mais ostensiva na medida em que se usam inadequadamente os escassos recursosexistentes; soma-se a isto que é preciso investir na modernização das condições dos equipamentos de saúde que só têm piorado; quanto à falta depessoal e de remédio, não dá para negligenciar, pois a solução é responsabilizar os agentes públicos por omissão, porque quando o poder público deixade proteger o cidadão por falta de providências oficiais, lamentavelmente o caos está instalado. Em permanecendo esse caos, com o perdão dotrocadilho, os serviços de saúde pública estão gravemente enfermos e, lamentavelmente, sem perspectiva de uma cura breve.
Marionaldo Fernandes Maciel é coordenador do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal de Campinas