Risco é enfatizar número de matrículas em creche em detrimento da qualidade, avalia Maria Malta Campos
A
professora da PUC-SP e pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas, Maria
Malta Campos, foi entrevistada pelo Observatório da Educação sobre as propostas
do Plano Nacional de Educação (PNE) para as crianças de 0 a 5 anos. A Meta 1 do
documento traz objetivos e estratégias para a educação infantil nos próximos 10
anos. Malta
considera a meta de atendimento de 50% até 2020 muito alta, o que pode
representar um risco caso a expansão não seja acompanhada de qualidade da
oferta. “Essa é uma faixa de bebês e crianças muito pequenas, que podem ser até
prejudicadas se matriculadas em creches de baixa qualidade”, avalia. Confira
a seguir a entrevista na íntegra. Observatório
da Educação – Qual avaliação que a sra. faz da meta que o PNE propõe para a
educação infantil, a meta nº1? Maria
Malta - Em primeiro lugar, concordo com as restrições apontadas em análise
realizada por Vital Didonet sobre a redação dessa meta (Didonet, V. Análise e
comentário da Meta 1 do PNE 2011-2020 – Educação Infantil, 6/12/2011 – Leia
aqui). Ele chama a atenção para a expressão pouco precisa “atendimento escolar
da população de 4 e 5 anos”, e para a incorreta menção da “educação infantil”
de até 3 anos. Concordo com suas restrições e com a sugestão de nova redação,
já encaminhada ao relator. Com efeito, “atendimento escolar” pode ser entendido
como se a criança de 4 e 5 anos pudesse estar sendo matriculada em qualquer
etapa e modalidade educacional, quando nessa faixa etária a criança deve ser
matriculada na pré-escola, de acordo com a Constituição e a LDB. Educação
Infantil engloba as duas faixas etárias, de creche e pré-escola, e está
portanto inadequadamente utilizada apenas para a faixa de 0 a 3 anos. Mas
eu também tenho restrições quanto às porcentagens de atendimento previstas nessa
meta, para a creche, pois a universalização para a faixa etária de 4 anos em
diante, até os 17 anos, já foi definida pela Emenda Constitucional n. 59. No
caso da creche, o projeto deste PNE incorre no mesmo erro do anterior, pois
fixa porcentagens acima das possibilidades reais de realização, quando levamos
em conta a tendência histórica de ampliação do atendimento e os custos de uma
boa creche. O risco é enfatizar mais o número declarado de matrículas do que um
nível básico de qualidade, pois essa é uma faixa de bebês e crianças muito
pequenas, que podem ser até prejudicadas se matriculadas em creches de baixa
qualidade. Muito poucos países do mundo chegaram a atender 50% de crianças de 0
a 3 anos de idade. A meta intermediária de 30% também me parece alta demais
para se atingir em 5 anos, com um nível básico de qualidade. Hoje
temos cerca de 18% de crianças de 0 a 3 anos matriculadas na creche, mas é
preciso distinguir as faixas de idade, pois é ínfimo o porcentual de crianças
de 0, 1 e 2 anos de idade nesse conjunto. Além disso, a demanda é muito
diferente conforme se trate de um grande centro ou de um município menor,
situado no interior. É
positiva essa opção de se fixar uma meta intermediária, mas teríamos que
primeiro estimar as reais possibilidades de se atingir esses porcentuais de
cobertura: um plano decenal precisa apontar para a frente, mas também não pode
se desmoralizar ao fixar objetivos sem base em cálculos mais cuidadosos. Observatório
– Qual avaliação que a sra. faz das estratégias definidas para essa meta? Malta
– Houve um aumento no número de estratégias propostas, que eram 9 no projeto do
executivo e agora são 15 no projeto substitutivo. Parece que o MEC havia optado
por um projeto mais enxuto e agora outros aspectos foram incorporados ao Plano,
alguns relativamente polêmicos. Observatório
– O substitutivo incluiu a questão da pesquisa por demanda manifesta (itens 1.3
e 1.4). Vê algum problema com essa opção, pela demanda manifesta, e não um
termo mais amplo? Malta
- O importante a reter, no caso dessas duas novas estratégias – e também da
estratégia 1.2 – introduzidas no substitutivo, é que há uma preocupação
explícita com a forma de estimar e lidar com a demanda não atendida em creche.
Hoje, nos grandes centros, há uma enorme demanda reprimida por creche. Só na
cidade de São Paulo, a lista de espera oficial registra mais de 150 mil pedidos
de matrícula. Como proceder? Quais os critérios que devem ser adotados? Como se
deve lidar com essa demanda? Cada prefeitura tem adotado seus próprios
critérios, mais ou menos sistematizados e transparentes conforme o caso. Concordo,
também nesse aspecto, com os comentários de Vital Didonet, que aponta: para “a
efetiva prioridade ao atendimento da população mais pobre” que deveria ser
garantida pelo sistema público; para o necessário estímulo ao sistema público
para que planeje, com base em diagnósticos da demanda, a ampliação do
atendimento em creche e não simplesmente fique esperando que a demanda se
manifeste, como acontece hoje na maioria dos casos; para a indicação de
consultas públicas para aferir essa demanda, mecanismo que diversas prefeituras
já adotam. Note-se
que, também para a pré-escola, alguns desses mecanismos são necessários para
que se atinja a meta da universalização. A estratégia 1.15 refere-se à “busca
ativa de crianças em idade correspondente à educação infantil”, colocando
corretamente uma diferença de procedimento para as crianças menores:
“preservando o direito de opção da família em relação às crianças de até três
anos”. Observatório
– O conveniamento de creches para o atendimento da educação infantil está
relacionado à qualidade da educação? Malta
- O projeto do executivo já incluía, na estratégia 1.4, a menção ao atendimento
gratuito por entidades certificadas como beneficentes de assistência social. O
substitutivo manteve a mesma redação. Sei que existem restrições aos convênios
por parte de diversos movimentos. Mas o fato é que não há como ampliar o número
de matrículas se eliminar
Fonte: Observatório da Educação