SINDICATO DOS TRABALHADORES DO SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL DE CAMPINAS
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16/03/2012

Cracolândia nossa de cada dia

Artigo do coordenador do Sindicato, Marionaldo Maciel, para o Correio Popular

Outro dia, por volta das oito horas, subi a Rua Barreto Leme e, ao cruzar a Avenida Barão de Jaguara, depareime com uma cena urbana que choca a todos. Evoluímos, mas não o suficiente para livrar nossos semelhantes da praga da dependência química. Estou me referindo ao crack, que, assim como outras drogas, invade os lares, desestrutura famílias e sequestra a juventude na fase mais vulnerável.

Na calçada estreita, passagem obrigatória para os transeuntes que ladeia a Caixa Econômica Federal, dois jovens obstruíam o caminho embrulhados num cobertor. Busquei o semblante dos indivíduos. Os faróis dos carros ajudaram-me a enxergar os trapos humanos. Rostos sem alma, desfigurados . Olhos esbugalhados. Aparência de zumbis. Corpos sujos e fétidos. Verdadeiros flagelos humanos. Ignoraram-me completamente.

A Praça Dr. Quirino, localizada entre Sacramento, Tomaz Alves e Barão de Jaguara, virou point da juventude. A confraternização pública normalmente é regada à cerveja, refrigerante, cachaça e petiscos. Foi o que pude perceber. Com passo manso, cruzei a praça. Carros se enfileiravam em busca de estacionamento. Esbarrou comigo uma figura fantasmagórica em busca de moedas. Fui abordado pela geração crackeana. Ele pedia a quem estivesse pela frente.

Não precisa estar na cena para ver o que vi. As notícias têm sido recorrentes na mi dia de maneira geral sobre o drama dos viciados em crack. Assistimos todos os dias pela televisão. Campinas não está imune. Temos também uma geração crackeana vagando pelas ruas.

Para quem gosta de explicação: segundo a revista Veja, da Editora Abril, edição 2.253, de 25 de janeiro 2012, o “crack provoca no cérebro o aumento da dopamina, neurotransmissor que regula a sensação de bem-estar”. Pois bem, essa droga é facilmente encontrada e atinge homens e mulheres. Não escolhe classe social: pobres e ricos se igualam na trajetória da autodestruição.

O crack tira de quem é viciado a alma, o encanto, a moral, a consciência, a aparência, o orgulho, a família, o lar, os amigos, o corpo e a vida. Seu poder é impressionante. De acordo com a revista, a droga faz aumentar o nível de dopamina no cérebro em 900%, enquanto que a comida o faz em 50%, o álcool 90%, o sexo 100% e a cocaína 230%.

Uma pedra, cujo efeito é devastador, custa R$ 5,00. Ao término do uso de uma, segue-se o drama de buscar mais outra. A procissão dos viciados pelas cracolândias retroalimenta a engrenagem que movimenta a criminalidade.

Não dá para se conformar com as atitudes negligentes como a que está sendo administrada neste drama urbano. O Estado trata a questão como caso de polícia. Pretende apenas a recuperação do espaço urbano instalando a ordem. Tangencia o flagelo humano. A polícia definitivamente não é solução para o problema. Ela só contribui para que os viciados não confiem no Estado, ficando distante dos serviços de saúde.

São doentes, dependentes químicos, que precisam de ajuda. É caso de saúde pública. A internação compulsória para os crackeanos tem que ser exercida, eles precisam ser assistidos por profissionais de saúde e de assistência social. Cumpre ao Estado combater o vício e apresentar política pública de amparo ao viciado. Cada um real investido na recuperação dos viciados trará economia na assistência da saúde.

Duas horas depois retornei pelo trajeto inverso. Os casais já se tinham ido. Num canto de um quiosque duas meninas se acariciavam. Num veículo com as quatro portas abertas, ao som de Exaltasamba, dois garotos recitavam o refrão da música “pois não foi em vão/não foi em vão/o vento vai trazer/você pra mim”.

Azaravam uma jovem que exibia a nudez de suas coxas bem torneadas, convidando-a a entrar no veículo. A discrição não era preocupação daqueles jovens. Os gestos e as palavras denunciavam embriaguez. Retardei os passos. Constatei que ela se rendeu à azaração dos dois garotos e entrou no carro com destino ignorado. Lá se foi o Exaltasamba embalar os desejos juvenis.

Mais à frente, avistei os ‘noias’. Já eram cinco em busca de moedas. Aquelas pessoas são advertências à sociedade. Ainda segundo a revista Veja, “Há dez anos 200 mil brasileiros haviam tido contato com o crack. Em uma década, esse número saltou para 800 mil”. Tratase de uma epidemia urbana. Se não tivermos capacidade de conter a escalada da “crack dependência”, a coisa se complicará – se é que já não se complicou.

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